As consequências dos temporais que caíram no final do ano passado e no começo deste ano ainda são sentidas por duas famílias do Jardim Basilicata, cidade Sumaré. Os sentimentos são parecidos. Dor pela perda de familiares e inconformismo com a falta de ações da Administração.
A aproximação da temporada de chuvas aliada à lentidão do poder público na transferência das famílias que vivem às margens do Ribeirão Quilombo, em Sumaré, contribui significativamente para aumentar o clima de apreensão entre aqueles que já contabilizaram não só perdas humanas, mas também materiais.
Em março deste ano, a dona de casa Lidosângela Nascimento Leite, de 36 anos, perdeu o marido, Alexandre Quintino da Silva, de 40 anos, vítima de leptospirose contraída após a enchente do começo do mês.
O laudo médico da morte, feito no Hospital Estadual de Sumaré no dia 3 de março, aponta o contato com água de enchente e que há seis dias Silva já vinha apresentando febre e dor muscular. Dois filhos do casal estão em São Paulo, contando com apoio psicológico para superar a morte do pai, diz ela.
No dia em que a reportagem do LIBERAL passou pelo Jardim Basilicata, um dos bairros mais atingidos pelas enchentes, Lidosângela ajudava um amigo a finalizar a construção de um muro de cerca de 30 centímetros na fachada da casa, num pequeno terreno cujo fundo é o Ribeirão Quilombo.
A mureta tem um objetivo claro. “É pra não inundar quando a chuva vier”, explica. Ela convidou a reportagem para entrar e de cômodo em cômodo foi mostrando as rachaduras, as marcas e os prejuízos causados pela enchente que matou o marido.
São danos reparáveis, possíveis de serem consertados com tempo e um pouco de dinheiro, seja ele da Prefeitura ou do próprio bolso, conta ela.
Danos bem diferentes do que a morte de Silva. Mãe de seis filhos, Lidosângela diz que já chamou a Defesa Civil e pediu ajuda à Prefeitura, no entanto, nada é resolvido. Desempregada, ela se sente impossibilitada de sair todos os dias para procurar emprego, pois teme que funcionários da Defesa vão até a casa e a encontre vazia para avaliar os danos.
“Em março, eles vieram, tiraram fotos e ficaram de fazer um laudo. Eu preciso do laudo, com as fotos, para levar à assistente social e à (Secretaria) Habitação tomar uma providência. Só que até agora não tenho resultado”, lamentou.
Duas casas antes da de Lidosângela, a aposentada Magdalena Crepusculi dos Santos, de 76 anos, ainda chora quando se lembra do filho, Alexandre Crepusculi dos Santos, de 46 anos, outra vítima de leptospirose após uma enchente em janeiro do ano passado. Com a voz carregada de emoção, ela confessa: “É uma dor muito grande”.
Assim como a vizinha, Magdalena se revolta ao comentar o trato da Administração quanto aos moradores do bairro e de outras áreas de risco. “No começo do ano, perdi tudo o que tinha e, após a chuva, tive que implorar para conseguir um colchão e um cobertor. Cada hora eles dizem uma coisa, que vai levar para um bairro, para outro, mas as casas nunca ficam prontas”.
O relatório de avaliação de danos (Avadan) encaminhado pela Prefeitura ao Governo Federal, em janeiro, apontou prejuízos de R$ 10 milhões de reais após as chuvas que caíram no início do ano. Entre os dias 3 e 6 de janeiro, estragos foram causados em 37 bairros de Sumaré.
Houve alagamentos em 17 áreas, 179 pessoas ficaram desabrigadas e 3.928 desalojadas, num total de 6.250 famílias que foram afetadas de alguma forma pelas chuvas. Cinco casas foram destruídas e 750 ficaram danificadas, além de seis pontes que sofreram avarias em suas bases devido à erosão, nos bairros Matão, Jardim Dall’Orto, Jardim Manchester, Jardim Dulce, e Parque Jatobá.
Em março deste ano, o Ministério da Integração Nacional liberou R$ 30 milhões para 33 cidades paulistas que sofreram com as chuvas do começo do ano. Sumaré foi o município que recebeu a maior porcentagem, pouco mais de 10%, totalizando R$ 3,1 milhões.
No entanto, apenas R$ 1,8 milhão (60%) fora disponibilizado pelo governo. Os recursos federais foram investidos em 13 obras (listadas no quadro no final da página) que recuperaram pontes, ruas e contiveram erosões, mas não convenceram moradores de que o problema de enchentes seria sanado.
Famílias aguardam remoção
Uma das reclamações recorrentes entre as pessoas que vivem nas zonas de risco é a demora nas ações prometidas pela Prefeitura. A dona de casa Sandrelina Rodrigues Pereira afirmou estar na lista dos cadastrados para as novas construções do Residencial Portal Bordon II e “não vê a hora de sair do Jardim Alvorada”. Em janeiro desse ano, a Prefeitura abriu licitação para construção de 135 moradias no Residencial Portal Bordon II. De acordo com o secretário de Habitação de Sumaré, Jesuel Pereira, as casas já estão em construção.
Vivendo às margens do Ribeirão Quilombo, Sandrelina conta que a situação é crítica durante os períodos de chuva. Ela reclama do cheiro forte de lixo acumulado na beirada do rio. “É um cheiro insuportável. É difícil até para almoçar. A gente fica enjoada e às vezes não consegue comer nada porque o cheiro fica impregnado em nossa casa”. No lado de fora da casa, onde há, por ironia ou não, uma ferradura, uma marca que supera um metro registra a altura que a água chegou durante o último temporal.
Está em fase de estudos a construção de 220 novas moradias, com recursos municipais e estaduais, destinadas à remoção de moradores que vivem em áreas de vulnerabilidade social em Sumaré. Além disso, 2.087 moradias populares estão em construção, por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, em cinco diferentes empreendimentos nos bairros: Jardim Santa Maria, Dall’Orto, Volobueff, Bom Retiro e Matão.
A Prefeitura informou que as famílias que residem em áreas sujeitas a inundações no Jardim São Domingos já foram removidas para 54 moradias no Jardim das Orquídeas, construídas pela Administração Municipal por meio do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH).
Segundo o secretário de Habitação, assim que as famílias foram removidas para as novas casas, as antigas moradias serão derrubadas, impedindo que outras pessoas venham a se abrigar em área de risco.
Sobre as ações de drenagens dos rios, a assessoria de imprensa afirmou que a macrodrenagem do Ribeirão Quilombo vem sendo discutida pelas cidades de Campinas, Hortolândia, Sumaré, Nova Odessa e Americana, municípios integrantes da bacia do Quilombo.
Fonte: Jornal O Liberal